Parábola do Bom Samaritano

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“Um samaritano que andava de viagem por aquelas estradas, chegou perto do ferido, e assim que o viu, sentiu um estremecimento nas entranhas, aproximou-se, enfaixou suas feridas derramando sobre elas óleo e vinho”.

Estamos diante do coração do Evangelho. O sacerdote e o levita eram cumpridores da Lei e tem consciência de sua retidão. Eles zelavam pela pureza, pela dignidade de seu serviço no templo. O samaritano pelo contrário, era impuro. Seu sangue era misturado com o dos povos pagãos.

Nas palavras de Jesus, o samaritano não ia simplesmente entre às duas cidades mais judaicas do poder, ele andava em viagem, fora de seu espaço próprio, era um estrangeiro perigoso cruzando à terra dos que o odiavam. Como o sacerdote e o levita, ele não passou para o outro lado da estrada, mas veio perigosamente para perto do caído como morto, veio para perto do que podia ser considerado impuro, afinal, ele também era considerado impuro por isso, não tinha porque se defender da impureza do caído. Ao vê-lo, teve um estremecimento em suas entranhas, moveu-se de compaixão; o que não aconteceu ao sacerdote e ao levita zelosos por sua pureza e pelo templo.

A compaixão, é, pois, este estremecimento do seio, a contração e a dor do seio materno que acompanham o gemido e o sofrimento de quem está nascendo, dor de parto, dor para a vida, que faz viver.  É o estremecimento de quem é impulsionado a socorrer, fazer viver. Este é um dos nomes de Deus, Deus da vida, que faz viver, que ressuscita os mortos.

Para se ter compaixão, misericórdia, é necessário se deixar tocar pela ferida, pela miséria e pelo clamor do outro.  E assim deixar que o outro ferido abra uma ferida, um vazio e uma inquietação que arde de desejo de ir ao encontro, de socorrer, de fazer viver. No caso do samaritano, sem as feridas e a dor do outro caído à beira do caminho como morto, não haveria no samaritano o estremecimento que lhe toca as entranhas, que o fere a ele mesmo e o esvazia de qualquer outra preocupação e agenda de viagem, e o faz aproximar e derramar generosamente óleo e vinho para as feridas do desconhecido, mas já amado e querido, enfaixando seu corpo machucado e diminuindo sua dor, sem se importar por quanta impureza ainda lhe seria imputada. O samaritano desprezado e impuro, tornou-se através deste ferimento, um curador e benfeitor.

O vazio de si – expressa uma forma de ternura: “assim que o viu, seu coração ficou enternecido” – causado pelo ferimento que a visão do caído lhe provocou o leva a se aproximar, num ímpeto do desejo de acolher, de abraçar, de cuidar, de fazer tudo o que lhe está ao alcance para conseguir a cura completa do desconhecido, tornando-o próximo, filho de suas entranhas. Assim, ele mesmo ganha humanidade, dignidade, superando toda humilhação e impureza, ao ir ao encontro do caído. Para o samaritano, o “bom samaritano” que socorreu sua condição de desprezo aos olhos dos judeus, foi o homem caído, justamente seu potencial inimigo em situação dramática. O samaritano interrompe sua viagem, planeja sua volta, pois encontrou o seu “bom samaritano”.

A necessidade e o clamor da condição do caído e ferido por terra deu ao samaritano a possibilidade de redenção, de bondade. A compaixão, a ferida e o desejo de cura, uniram os dois homens, o caído e o samaritano num mesmo destino.

Fonte: Revista Convergência de maio/junho/julho – 2020