Campanha da Fraternidade Ecumênica 2021 e a dimensão mariana

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O tema da Campanha da Fraternidade Ecumênica 2021: “Fraternidade e Diálogo: compromisso de amor”, e o lema “Cristo é nossa paz. Do que era dividido, fez uma unidade” (Ef 2,14a), quando relacionados à dimensão mariana nos remetem a uma outra passagem bíblica encontrada no Evangelho de São João cuja narrativa é conhecida como Bodas de Caná.

Era uma festa de casamento “e a Mãe de Jesus estava lá” (Jo 2,1-11).  Maria se preocupa com a falta de vinho, e leva essa necessidade para Jesus. De acordo com um consenso na hermenêutica bíblica, a  falta de vinho pode ser compreendida a falta de compromisso, a falta de adesão a Jesus e ao projeto de Deus que Ele veio anunciar.

No contexto da narrativa joanina não se comprometer com a Nova Aliança trazida e traduzida em Jesus, e na justiça que Ele veio realizar, é perder a alegria e continuar preso às leis e preceitos que não faziam sentido, não geravam vida.

A dificuldade em aceitar a Nova Aliança para confirmar a unidade em Cristo Jesus, era a realidade para o grupo dos judeus. No entanto, infelizmente é uma temática muito atual presente no meio religioso, entre católicos e não católicos. A busca da unidade é sonho de Deus e precisa ser realizada por pessoas de boa vontade.

Maria é a mulher por Deus escolhida que vem nos mostrar que é preciso fazer o que Ele (Jesus) disser (cfe. Jo 2,5), no Caminho, na adesão, no discipulado e no seguimento de, e com, Jesus.

Ela, perfeita discípula seguidora, sempre presente com a sua comunidade e preocupada com as necessidades das outras pessoas nos ensina que a adesão ao chamado de Deus, implica em adesão à proposta do Reino de Deus anunciada por Jesus, com a coragem de se desinstalar e se converter.

A conversão exige mudança profunda de vida e opção radical no seguimento a Jesus, e um olhar atento para uma Economia “desalmada” que mantém interesses contrários ao cuidado com a Casa Comum, a Mãe Terra.

Neste sentido, o Papa Francisco nos propõe a Economia de Francisco e Clara: uma nova economia baseada no Mutirão por Terra, Teto e Trabalho para todas as pessoas, especialmente para os mais vulneráveis, pelos desempregados, pelos jovens sem perspectiva de futuro, pelos doentes sem leitos de hospitais, pelas pessoas em situação de rua esquecidas nas praças e vias públicas, etc.

Na fidelidade e no compromisso com um Deus que quer a Vida e vida em plenitude, Maria segue na fidelidade e comprometida com Deus, sem a Ele trair, não colocando condição para que Ele realize Seu projeto de Amor, que é a Salvação para toda a humanidade. Ela é mulher atuante, dialogante e participa como colaboradora de Deus na História da Salvação.

Ser colaboradora de Deus é estar aberta aos projetos que geram vida, é buscar superar as banalidades do cotidiano com falsas promessas que tentam ordenar o curso da história. É “pisar” (cf. Ap 12, 1) no tempo da desesperança, e assumir com coragem o anúncio e o testemunho da Boa Notícia de Jesus.

Colaborar com Deus é sair apressadamente! Após Maria dizer seu Sim ao projeto de Deus para ser a Mãe de Jesus, ela sai ao encontro de Isabel (cf. Lc 1, 39). O encontro de Maria e Isabel, narrado no evangelho de Lucas é muito significativo, porque além de ser um encontro de duas mulheres  no Novo Testamento – o único relato de duas mulheres como protagonistas em um texto no NT, é também o encontro de duas novas vidas: Jesus e João Batista.

O evangelista Lucas relata que é no contexto da visita de Maria a Isabel que Maria explode de alegria ao reconhecer a grandeza de Deus. Ele olha para a humilhação do seu povo. Essa é a esperança de muitas Marias, de muitas famílias em nossos tempos – tempos difíceis por conta do desemprego, da falta de hospitais, falta de moradia e com a terrível pandemia do coronavírus, agravado pela falta de planejamento e interesse por parte dos governantes para salvar vidas.

Maria faz parte do grupo – do “resto de Israel” – que esperava o Messias. Ao mesmo tempo que manteve a fé no Deus Libertador, também foi a colaboradora de Deus para a vinda de Jesus de Nazaré. Ela esperava o Salvador como tantas gerações O esperava. Por isso ela não se colocou como alguém privilegiada. Ela foi chamada de agraciada – “cheia de graça” (Lc 1,28) de encantamento de seu Deus.

Ela é a “companheira Maria, perfeita harmonia entre nós e o Pai, cheia de graça, plena de raça e beleza, queres com certeza que a vida renasça. Ela é Santa Maria, Mãe do Senhor, que se fez para todos, criou mundo novo só por amor. “ (https://letrasliturgicas.blogspot.com/2015/08/maria-mae-companheira.html) nós… o que precisamos fazer hoje para ir ao encontro de tantas pessoas que estão sofrendo todo tipo de violência pelo racismo, pela homofobia, pela xenofobia, pelo feminicídio? 

A Campanha da Fraternidade Ecumênica 2021 nos propõe voltar à comunidade, voltar aos nossos grupos e movimentos. Ir apressadamente ao encontro de irmãs e irmãos para o que mais importa agora que é renascer na Esperança: Entendemos que fraternidade e diálogo são desafios de amor. Devemos nos engajar agora, na comunidade e no lugar onde vivemos. Acreditamos que Cristo é a esperança do estabelecimento definitivo da fraternidade e da paz.” (CFE 2021, n. 122).

 Maria também voltou e permaneceu com a comunidade (cf. At. 1,14), e com a comunidade ela defendeu os projetos de vida contra todos os projetos de morte. Ela caminhou com Jesus até a Cruz, como mãe sofreu as dores de Jesus,  e as dores da humanidade.

Ela, porém não parou na cruz, “guardava todas as coisas em seu coração” (cf. Lc 2,19). Aos pés da Cruz ela recebe toda a humanidade como filhas e filhos. Ela continua como mãe, como companheira, como discípula missionária de Jesus Cristo para que n’Ele todos os povos tenham vida.

Desejamos e nos comprometemos que a Campanha da Fraternidade Ecumênica 2021 possa dar muitos frutos, e continuemos caminhando com Maria, no diálogo fraterno, na acolhida amorosa e com muita pressa de poder oferecer o vinho da irmandade, da igualdade, na grande ciranda da vida, onde todas e todos possam construir pontes e redes que unem, em um grande mutirão pela vida, e vida plena, tão sonhada e oferecida por Jesus com a sua própria vida, pela redenção de todas as pessoas.

Concluo com as palavras do poeta português Cardeal José Tolentino Mendonça:

“Livra-nos, Senhor, deste vírus, mas também de todos os outros que se escondem dentro dele. Livra-nos do vírus do pânico disseminado, que em vez de construir sabedoria nos atira desamparados para o labirinto da angústia. Livra-nos do vírus do desânimo que nos retira a fortaleza de alma com que melhor se enfrentam as horas difíceis. Livra-nos do vírus do pessimismo, pois não nos deixa ver que, se não pudermos abrir a porta, temos ainda possibilidade de abrir janelas. Livra-nos do vírus do isolamento interior que desagrega, pois, o mundo continua a ser uma comunidade viva. Livra-nos do vírus do individualismo que faz crescer as muralhas, mas explode em nosso redor todas as pontes. Livra-nos do vírus da comunicação vazia em doses massivas, pois essa se sobrepõe à verdade das palavras que nos chegam do silêncio. ” (CFE 2021, n. 56).

Celia Soares de Sousa, cristã leiga e teóloga – celiasoaresjpv@gmail.com